Por muito tempo, a cultura adotiva no Brasil foi palco de diversas relações abusivas, violentas, mal fiscalizadas e que desprezavam o bem-estar do menor adotado. A exemplo desse passado sombrio, o documentário nacional “Menino 23” relata o episódio, das primeiras décadas do séc.XX, no qual dezenas de meninos negros órfãos foram fácil e celeremente colocados sob a guarda de membros da Ação Integralista Brasileira, de modo inquestionável. Como fruto da incipiente fiscalização da época, em investigações posteriores descobriu-se que os garotos foram, por anos, submetidos a um regime de trabalho análogo à escravidão. Hoje em dia, felizmente, o processo de adoção no país foi otimizado, apresentando exigências jurídicas mais robustas. Entretanto, certos aspectos problemáticos da pauta, ora com relação ao desejo dos pretendentes, ora com relação à manutenção do bem-estar dos jovens, configuram desafios para uma cultura ainda melhor.
De acordo com dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), a maioria dos requerentes ao processo busca meninas e meninos com menos de 4 anos de idade, sendo que constituem apenas 4,1% de todo o contingente de cadastrados. Surge, portanto, desse cenário, um impasse: há um déficit de crianças mais novas frente à demanda dos adultos em questão. Ainda que seja notável um número crescente de adoções consumadas a cada ano, uma certa desigualdade - na incidência do procedimento por região - pode ser inferida. Assim, estados federativos com órfãos em uma faixa etária maior tendem a possuir uma fila de espera superior.
Como consequência da defasagem exposta acima, os jovens nesse intervalo de idade mais avançado acabam permanecendo por tempo prolongado no aguardo de um acolhimento familiar, podendo sofrer sérios impactos psicológicos. Ao observarem seus colegas mais novos serem preferidos à adoção, os mais velhos se encontram vulneráveis ao desenvolvimento de complexos de autoestima e transtornos emocionais, muitas vezes somados aos diversos traumas que já possuem de um histórico de maus-tratos e abandono. Apesar do forte empenho do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em dar maior celeridade ao processo adotivo, é preciso também olhar para as crianças que ainda estão institucionalizadas.
Em suma, conforme as problemáticas apontadas, a cultura de adoção no Brasil ainda precisa passar por mudanças centrais. Como exemplo, o CNJ deve expandir - por meio de uma divulgação mais ampla nas redes sociais oficiais e sites de grandes jornais - a frequência e o alcance de cursos EAD e audiências online, já realizados pelo Conselho, que pautem a defasagem no acolhimento de adolescentes, incentivando os pretendentes a cogitarem essa possibilidade e garantindo que o acompanhamento da relação e o aconselhamento por profissionais serão constantes. Dessa forma, estigmas com relação aos órfãos mais velhos podem ser superados, juntamente com a desproporcionalidade do anseio dos requerentes. Ademais, os orfanatos precisam garantir um tratamento psicoterapêutico rotineiro - através de seções semanais com profissionais - àqueles jovens que permanecem na fila de espera, com o intuito de evitar o surgimento, ou agravamento, de problemas psíquicos nos meninos e meninas da instituição, assegurar o seu bem-estar e concretizar de fato um distanciamento do abjeto passado da adoção no país.