A obra “O Corcunda de Notre Dame”, idealizada por Vitor Hugo, é um romance clássico ambientado na preconceituosa Paris do século XV. Nesse sentido, a narrativa é centrada na história de Quasimodo, um jovem que, à época de nascimento, fora abandonado para morrer em uma cesta, por apresentar deformações físicas e aparência supostamente incomum. Mesmo após a idade adulta, o personagem sofria com “bullying” e repulsa por parte da população parisiense, estando condenado a um solitário cárcere quase que compulsório em uma torre de relógio. Fora da ficção, o contexto de exclusão das pessoas com deficiência é um fato extremamente recorrente no mundo moderno em diversos âmbitos da sociedade, sejam eles políticos, profissionais ou educacionais. Sob tal ótica, essa permanência é mantida tanto pelo ideário propagado pela mídia, que exaustivamente dissemina a ideia do corpo magro e livre de imperfeições, como pela inércia dos governantes brasileiros, que pouco fazem para mudar esse cenário deplorável e desumano.
Em primeira análise, é necessário destacar a baixa representatividade dos portadores de deficiência nos setores sociopolíticos e midiáticos do Brasil. Segundo dados da OMS, 900 milhões de pessoas no mundo apresentam algum tipo de deficiência, seja ela congênita ou adquirida. De forma paralela, essa proporção não é observada, por exemplo, nas cadeiras do Poder Executivo, que contam com menos de 1% de políticos PCD. Também, nas séries televisivas e programas de TV, cujos personagens ou participantes pertencentes a essa categoria não chegam nem a 5% do elenco. Assim, é notório que há um reforço positivo por parte da mídia que categoriza os membros de tal grupo minoritário como incapazes ou indesejáveis. Colateralmente, de acordo com os postulados da Escola de Frankfurt, essas são as consequências negativas da Indústria Cultural: o apagamento e a marginalização dos corpos que destoam do inalcançável padrão de beleza hegemônico vigente.
Além disso, outro fator crucial a ser ressaltado é a falta de políticas públicas voltadas à comunidade PCD na realidade tupiniquim. Apesar da Constituição Federal Brasileira de 1988 atestar que somos todos iguais perante à lei, essa condição não se concretiza na prática. Dessa forma, muitos deficientes físicos cadeirantes têm dificuldade em se locomover pela cidade, seja devido ao fato de boa parte do transporte público urbana não estar adaptada às necessidades desse público ou pela falta de rampas e sinalizações visuais específicas nos prédios públicos e comerciais. Devido a isso, muitos deles não conseguem vivenciar o ambiente urbano, tal como acontece com Quasimodo em “O Corcunda de Notre Dame”, sendo fadados a vivenciarem uma limitação da mobilidade, cujo caráter é muito mais socioespacial do que físico.
Portanto, é fato que medidas precisam ser tomadas para aplacar os entraves que permeiam a realidade das pessoas com deficiência no Brasil. Para tanto, cabe ao Estado, por meio de investimentos no Ministério da Justiça, criar uma comissão fiscalizadora para supervisionar o transporte público nas principais cidades brasileiras, com o objetivo de notificar as empresas responsáveis quando estas não estiverem de acordo com adaptações técnicas para deficientes físicos e visuais. Ademais, cabe ao Governo Federal, mediante promoção de campanhas publicitárias veiculadas em diferentes meios de comunicação, sensibilizar e informar a população sobre os direitos e necessidades específicas dessa comunidade, a fim de reduzir gradualmente o preconceito histórico enraizado na cultura tupiniquim. Apenas dessa maneira, será possível estabelecer um Brasil mais ético, justo e plural, em que todos os segmentos sociais se sintam acolhidos e respeitados.