Alternativas para o aumento das doações de órgãos e tecidos mediante morte encefálica no Brasil
“O mais escandaloso dos escândalos é que nos habituamos a eles”. Essa afirmação da filósofa existencialista Simone de Beauvoir serve de metáfora à falta de meios para o aumento da doação de órgãos e tecidos após morte encefálica no Brasil, uma vez que, por mais escandalosa que seja essa situação, pouco são os esforços destinados a resolvê-la. Diante disso, indubitavelmente, tal conjuntura advém tanto da irreflexão quanto da desigualdade social.
A princípio, é relevante trazer à luz à falta de reflexão da coletividade acerca da necessidade de disseminar informações e buscar alternativas para aumentar a transplantação de órgãos mediante morte cerebral. Analogamente, a filósofa Hanna Arendt propõe um conceito de “banalidade do mal”, no qual afirma que a pior maldade deriva da irreflexão. Sob esse viés, é notório que por falta de importância e comprometimento o corpo social não reflete na urgência de criar caminhos para que as informações necessárias esclareçam para aos familiares e indivíduos o peso social que a doação de órgãos causa no tecido social, assim como desmistificar que após a morte encefálica ainda existe vida no paciente. Em consequência disso, sem o apoio de toda a comunidade a negativa familiar e alienação continuam sendo um dos principais motivos para que um órgão não seja doado no Brasil. Evidencia-se, para tanto, a falha da coletividade em criar espaços que desenvolvam o transplante de partes do corpo após morte do cérebro.
Outrossim, é igualmente preciso apontar a disparidade social como um impedimento ao aumento do repasse de órgão e tecidos para sujeitos que estão a muito tempo na fila de espera. Para entender tal apontamento, é justo relembrar a musica “Levanta e Anda”, do cantor Emicida, na medida em que destaca que para o pobre, principalmente negro, ele não sabe o que acaba primeiro, se é o dinheiro ou a esperança. Nessa perspectiva, é visível que para as pessoas nesse meio a prioridade não é discutir socialmente e com familiares sobre as alternativas depois da morte encefálica, e sim sobreviver a mais um dia, fato que contribui para a marginalização dessa camada mais vulnerável do cenário de doação de órgãos e tecidos. Dessa forma, sem a ajuda dos setores governamentais, a resolução desse problema se torna quase utópica.
Diante do exposto é mister que o Poder Executivo intervenha no intuito de expandir exponencialmente a transplantação de órgão na sociedade brasileira. Urge, portanto, que o Ministério da Educação crie um dia específico no ano letivo, em colégios públicos e privados, que chamaria “A vida é Agora”. Nele, os alunos e toda a comunidade aprenderiam sobre a esfera da doação de partes do corpo e a sua relevância através de palestras, oficinas e debates diretos com psicólogos, pedagogos e profissionais da área de saúde, a fim de essa discussão chegue em todas as camadas sociais, que eles entendam a importância de serem doadores em caso de morte cerebral e conversar sobre o assunto com seus familiares, levando-os a refletir nos desafios para o aumento da doação de órgãos e, principalmente, em como intervir. Uma ação iniciada agora pode mudar todo o futuro da comunidade brasileira.