O documentário "Morri na Maré" retrata a vida de crianças e adolescentes da Favela da Maré, no Rio de Janeiro, ao compartilhar suas preocupações e medos diante da vivência de diversas formas de violência, além de denunciar que nem todas as crianças são protegidas. Nesse sentido, o cenário abordado no documentário representa a realidade vigente no Brasil, já que a pouca importância dada ao combate da violência infantil subjuga esses indivíduos à situações cruéis. Com efeito, hão de ser desconstruídos os impasses que fomentam esse revés: a negligência da sociedade e a banalização de atos violentos.
Diante desse cenário, o silenciamento social acerca da violência infantil e da necessidade de erradicar essa mazela impede uma infância digna. Nesse viés, na obra "Holocausto Brasileiro", Daniela Arbex relata o genocídio e a desumanização, durante o século XX, de vários segmentos sociais, dentre eles crianças, as quais eram tratadas com extrema hostilidade, inclusive, a autora afirma que essa violação dos direitos humanos só pode ser sustentada pela omissão da sociedade. Sob essa lógica, esse desamparo ainda persiste no século XXI, visto que o corpo civil é incapaz de se sensibilizar com a crueldade cometida contra esse grupo vulnerável e de participar no combate desse cenário escatológico, o qual fragiliza o psicológico e o emocional das vítimas e corrobora o sentimento de insegurança e medo em razão dos eventos traumáticos. Assim, enquanto o silêncio acobertar a indiferença, o setor social irá retroagir em direção ao passado de barbárie.
Ademais, a naturalização de atos violentos contra crianças inviabiliza a percepção da relevância em combater esse infortúnio para garantir a dignidade humana. A esse respeito, a filósofa Hannah Arendt desenvolveu o conceito de "Banalidade do Mal", o qual pode ser interpretado como a recusa do caráter humano em refletir a respeito de problemas sociais, de modo a acarretar uma normalização dessas mazelas. Nessa perspectiva, a impregnação no corpo social da postura nociva denunciada por Arendt faz com que as crianças sejam tolhidas do acesso a um ambiente harmônico e seguro, uma vez que a crueldade e a violência se tornou algo "normal", sendo evidente na escassez de indignação da comunidade perante agressões físicas, psicológicas ou verbais. Dessa forma, esse cenário dilacerador submete esse setor vulnerável a eventos desumanos e indignos.
Portanto, é necessário reconhecer a importância do combate à violência infantil. Sendo assim, o Estatuto da Criança e do Adolescente deve informar aos cidadãos os direitos das crianças e formas existentes de violência, por meio de palestras e campanhas nos municípios, as quais ocorreriam com a participação de psicólogos infantis que expliquem os efeitos negativos da normalização de atos cruéis no desenvolvimento emocional e cognitivo, a fim de promover a mobilização dos indivíduos para dirimir essa problemática. Somente assim, a realidade das crianças brasileiras se distanciará do contexto flagelador vivenciado por esse grupo na Favela da Maré.