Com uma representação artística inovadora e identitária, o pintor colombiano Fernando Botero procura exaltar em suas obras a existência e a diversidade de corpos gordos e curvos, enfatizando a beleza e o imagético que costumam fugir dos padrões sociais. Nesse sentido, suas obras fornecem um significado plural e atraente, ferindo a normatividade da sociedade gordofóbica, ao mesmo tempo que conseguem investir em uma retomada das posições políticas e inclusivas. Análoga à realidade, a produção do pintor vai de encontro à cultura dos corpos perfeitos e da repressão ideológica, uma vez que ela reafirma um pensamento degradante acerca do imaginário não produtivo ou não comercial, assumindo a gordofobia como pauta do retrocesso. Desse modo, a existência de marcas sociais de rebaixamento, bem como a o tratamento falho do Estado, são empecilhos que ajudam a fomentar preconceitos.
A princípio, é de extrema necessidade elucidar como o enraizamento de uma postura social pautada numa cultura de discriminações pode configurar uma marcação profunda nos indivíduos. Segundo o sociólogo Ervin Goffman, toda marca que carrega um significado depreciativo sobre a identidade, o corpo ou a mente de uma pessoa ou de um grupo social consegue instalar uma visão reducionista e descaracterizada da personalidade cultural. Para ele, atitudes que perseguem e que culminam no regresso fazem do indivíduo um produto não mais da sua identidade, mas sim de um estigma social degradante e expansivo. Sendo assim, a persistência de discursos de ódio legitimados nas esferas públicas e privadas, assim como a presença de uma normatização do ideal corpóreo nos veículos de propagação de culturas, distanciando o reconhecimento positivo das múltiplas existências, contribuem para a marcação em massa das pessoas gordas. Consequentemente, tal postura de redução da pessoa humana também contribui com a desestruturação da dignidade e dos direitos sociais, pois ser gordo, disfuncional, preguiçoso e deselegante tornam-se sinônimos reafirmados por estereótipos gordofóbicos em ressurgência.
Além disso, a manifestação dos direitos das pessoas que destoam das banalidades sociais nem sempre é atendida, visto que direitos costumam ser negados. Conforme o filósofo Noberto Bobbio, todo direito existente, independentemente da sua legitimidade ou do seu grau de exigência, deve ser garantido sem qualquer questionamento que impeça a efetividade da cidadania. Nesse contexto, o estudioso defende que as garantias sociais precisam estar entrelaçadas com o ideal cidadão, sendo necessário fomentar a participação inclusiva e acessível de todos os grupos existentes nos círculos sociais, em especial as minorias que sofrem com as marcações de estigma e com os defeitos do próprio Estado. Tal fundamento pode ser envidenciado nos espaços hospitalares e televisivos que segregam as pessoas gordas do ambiente e das oportunidades, além da falta de compromisso estatal com a imagem midiática diante dos discursos gordofóbicos corriqueiramente repetidos, ao passo que é invisível o pronto estímulo das falas representativas da diversidade, como o movimento Corpo Livre, criação da influencer Alexandra Gurgel, e os demais temas impulsionados por intelectuais favoráveis a uma postura de mudança.
Faz-se necessário, portanto, desenvolver medidas que visem mitigar as expressões da gordofobia. Dessa forma, o Poder Legislativo deve intensificar a limitação das discriminações contra os corpos e as identidades pessoais, por meio do enrijecimento de leis de punição e de afirmação cidadã, a partir da criação de uma criminalização praticável, com o fito de fazer sucumbir os desvios injustificáveis ainda presentes sobre o corpo. Outrossim, o Ministério Público precisa averiguar as afirmações de exclusão nos espaços e discursos de natureza pública, por intermédio da ampliação dos canais sociais de denúncia, a fim de descredibilizar a gordofobia anunciada em todos os lugares culturais, possibilitando a emergência do surgimento de posturas de incentivo ao respeito e à inclusão dos corpos gordos, a exemplo das telas de Botero.