Divertido e nostálgico, "Naruto" - um dos animes mais famosos da história - conta a trajetória de um garoto impopular que busca ser reconhecido pela sua aldeia após receber uma marcação demoníaca que o estigmatiza. Nesse sentido, depois de tornar-se um ninja gunin, a equipe de Naruto e o seu mentor recebem uma missão no País da Água que objetiva a proteção de um construtor de pontes morador de uma região pobre, a qual é marcada pela violência e, principalmente, pelo abuso de poder das autoridades que se aproveitam da instabilidade local e da desesperança de toda uma população. Análoga à realidade, a condição da aldeia apresentada na animação reflete um problema comum na atualidade brasileira: os riscos do aumento da desigualde social. Desse modo, a presença de uma invisibilidade dos direitos e da identidade civil, bem como a manifestação de abusos sociais, favorecem o regresso nacional.
A princípio, é de extrema necessidade elucidar como a ampliação da discriminação e a exclusão de oportunidades corroboram o processo de apagamento da memória cidadã. Segundo o sociólogo Jessé Souza, em seu livro A Elite do Atraso, o indivíduo que ocupa uma posição advinda de camadas mais desprotegidas torna-se marginalizado e, consequentemente, é reduzido de sua própria identidade social, uma vez que não é reconhecido como cidadão. Para ele, o meio brasileiro sugere uma segregação entre "gente" e "subgente", ao passo que o ser humano passa a ser escalado como útil ou inútil na máquina sociopolítica atual, a qual rememora as raízes que construíram um Brasil de exclusão desde o colonialismo. Sendo assim, o crescimento impiedoso das mazelas sociais que culminam na explosão da desigualdade fomenta a descaracterização da personagem comum brasileira, pois a falta de moradia digna, o preconceito contra a população negra, assim como a intensificação dos resultados da pobreza (fome, desemprego, desestruturação familiar), promovem uma desqualificação da vida social dos indivíduos, visto que a condição de subgente é ampliada.
Além disso, a instauração de uma sociedade desigual dá lugar a manifestações de caráter imperativo e excludente. Conforme o filósofo John Stuart Mill, as atitudes sociais que configurarem uma ampliação inadequada do poder político deverão ser tratadas a partir dos seus antagonismos. De acordo com a teoria do "Princípio do Dano", o estudioso defende que todo efeito negativo promovido pelo abuso da liberdade deve ser combatido, sendo necessária a defesa dos direitos legais dos terceiros. Tal fundamento pode ser interligado à situação atual, já que a disparidade das relações sociais possibilita o surgimento de violências institucionais ou não, como o domínio de facções criminosas em favelas brasileiras ou a atuação criminosa e, por vezes, homicida da polícia nas comunidades de baixa renda. Ademais, a desigual associação entre cidadãos provoca o aparecimento de outros tipos de violência, a exemplo da restrição dos direitos das minorias e do atraso na validação da demanda pública por serviços constitucionais. Em suma, assim como os abusos do País da Água, a realidade brasileira não foge da sua condição debilitante e dos seus graves riscos.
Faz-se necessário, portanto, desenvolver medidas que visem atenuar a desigualdade social. Dessa Maneira, o Poder Legislativo deve possibilitar a aplicação de todos os direitos legais garantidos pela Constituição, por meio de enrijecimento de leis que garantam a efetiva cidadania, como o acesso à educação de qualidade para todos, a fim de manter a identidade social necessária. Outrossim, o Ministério Público precisa averiguar os excessos dos poderes sociopolíticos, por intermédio de políticas públicas de adequação de renda e da cassação dos infratores, com o fito de desestruturar os riscos de desigualdade crescente em sociedades próximas àquela presente em Naruto.